26 de Junho de 1890,
(Carta escrita por Mayrana Harker para Andrthur Holmood)
Querido e adorado amigo, recebi sua carta há dois dias. Fazes-me feliz e entusiasmada com a notícia de que tens determinada a data de seu matrimônio. Minha adorada e amada amiga Perlucyta deve estar nas nuvens. Imagino que estejam transbordando de felicidades e ansiosos por suas futuras núpcias. Como está a saúde de Perlucyta? Houve necessidade de mais alguma transfusão de sangue? Espero que toda essa alegria venha a fazê-la esquecer os acontecimentos sinistros dos últimos meses.
Gostaria de poder poupá-lo, mas trago notícias não muito felizes. Notícias estas que, talvez, tenham relação com a doença súbita de sua amada e acontecimentos recentes. Com efeito, tudo parece se entrelaçar de forma assustadora. O que aqui escrevo é verdade; deixo claro que não é nenhum delírio de minha imaginação. Os mortos-vivos, apesar de parecerem inverossímeis, nada mais são que seres das trevas em busca de nossas almas.
Eis minha devastadora experiência:
Semana passada, num dia onde as temperaturas alcançavam a alarmante marca dos quase 40 graus, certos organismos implacáveis lutaram com furor e, inesperadamente, tomaram posse de minhas entranhas. As diabólicas sementes multiplicavam-se em frenesi; apossaram-se de meu frágil organismo; causaram-me febre crepuscular com constantes paradas diarreicas. Imaginei, portanto, que as dores e vertigens me empurrariam à beira do abismo escuro da morte. Tomada de fraqueza; vi o mundo girar ao redor; perdi o controle das pernas e, ouvindo um eco distante chamando meu nome, sucumbi. Desmaiei e imediatamente caí em pesadelo vívido e delirante.
Abri os olhos devagar; corpo moído de dor, parecia ter caído de uma altura colossal. Mexendo-me vagarosamente olhei ao redor com estranheza, estava numa floresta iluminada pela luz pálida da lua que cobria-se por uma névoa branca e gélida. Ouvi gritos tenebrosos a cerca de dez metros de onde despertara. Um frio nauseado tomou conta de minha alma; tornei-me trêmula e pálida. Eram sons horrendos, macabros; arrepios incontroláveis brotaram sobre minha pele. Os urros, como pude constatar, vinham de seres com aparência de mulher. Eram risadas, uivos, gritos de prazer e antecipação. Aproximei-me. Estava tomada de medo, mas minha curiosidade era incontrolável. Dei passadas leves, inaudíveis; salvaguardei minha tocaia arrastando-me entre os arbustos e atrás dos eucaliptos. Quanto mais me aproximava mais era tomada de pavor, meu coração palpitava enlouquecidamente, suava frio. Estava tão próxima que vi com clareza as feições sórdidas de duas jovens pálidas. Elas uivavam na direção da lua. Pareciam corpos animados por forças malignas - almas do além-túmulo. Tinham algo de assustador: dois dentes brancos e pontiagudos sobrepunham-se a seus lábios inferiores - eram como pontas de agulhas afiadas. Tinham a pele extremamente alva: não possuíam uma gota de sangue - claras como a alvura da pele morta. Seus cabelos balançavam soltos ao vento, usavam vestidos brancos e transparentes. Pulavam numa alegria diabólica usando nada além da ponta dos pés descalços. Embaladas pelo vento, à sombra da lua, à meia-noite.
Morcegos voavam triunfantes, parceiros daquele instante de loucura. Lobos brancos, deitados em troncos de árvores caídas, assistiam com deleite, ansiosos. Tochas de fogo formavam um círculo de sete metros de diâmetro. Súbito, quase de forma imperceptível, uma fumaça branca surgiu perto das mulheres. A fumaça foi se tornando cada vez mais abundante, notável. De repente, confundiu-se com a neblina ao redor e juntou-se para formar o corpo de um jovem pálido, de olhar penetrante e rígido. Todo vestido de preto, com uma capa que arrastava pelo chão. Seus dentes, também alvos e pontiagudos, gotejavam algo vermelho - o sangue era sua horrível marca. Ele trazia nos ombros, sem esforço aparente, como se possuísse uma força sobre-humana, dois rapazes que pareciam mortos ou desmaiados. Atirou-os às jovens criaturas que agradeceram com gargalhadas guturais e repetiram em uníssono: "o sangue nos devolve a juventude e a vida, vida eterna ao Conde Andrácula!!!!!!!"
O conde, lançando-lhes um olhar de desprezo, dá uma gargalhada assustadora. Cobre-se com a capa preta e, num único golpe, desaparece na mesma velocidade como aparecera, deixando para trás uma nuvem de pó branco. Nesse instante, ainda tomada de pânico e pavor, senti o vento soprado pelas assas de um morcego no meu ouvido, quase gritei em desespero. Tapei minha boca com a mão direita para que não proferisse qualquer som e continuei a observar a cena pavorosa, não mais por escolha, mas por não conseguir mover as pernas. O medo apossara-se de mim. Vi, apesar de toda a névoa, que as mulheres haviam amarrado os pobres jovens no tronco de uma árvore larga e robusta. As damas da escuridão começaram a seguir uma espécie de ritual macabro. Os pobres diabos haviam despertado, tinham nos olhos o pavor do medo da morte, suas bocas estavam amordaçadas. As damas dançavam enquanto tocavam seus corpos e cheiravam o sangue pulsante de suas veias quentes. Em poucos instantes elas os hipnotizaram e retiraram suas mordaças. Os rapazes gritavam com fúria, numa paixão cega e febril tomados de um prazer inefável. Imploravam para que elas os beijassem e os tocassem e, naquele instante, cada uma delas toma sua vítima. De forma calculada e meticulosa, tocam no pescoço dos rapazes; bem de leve, paradoxalmente, de forma angelical. Respiram ofegantes, pulsando por algo desejado, infinitamente adorado e, aproximando seus dentes afiados da carótida viva e pulsante, mordem suas vítimas e sugam-lhes a vida, a alma. Eles não sentem dor, mas prazer. A respiração ofegante e trêmula das mulheres os fazem desejar, com todo o ardor de suas almas, o beijo impiedoso da morte. Com fúria acertada elas os entrelaçaram até chuparem a última gota de sangue de suas veias. Os corpos dos rapazes, agora sem vida, pendem - caídos. As tenebrosas criaturas retomam suas risadas grotescas e dançam ao luar. Suas peles, ao invés de alvas, parecem rosadas com o sangue novo que lhes corre nas veias imortais. Elas desamarram os corpos sem vida e os atiram aos lobos famintos. Não pude tolerar tamanho horror e brutalidade, comecei a vomitar. Fui ouvida por uma das mulheres que me perseguiu pela floresta, tropecei e vi os detalhes de seu rosto frente ao meu. Acordei do "sonho" num sobressalto.
Despertei do delírio coberta de suor, apavorada. Comecei a sorrir, tranquilizada; tudo não passara de um pesadelo. Tomei água aos goles ofegantes, ainda pulsando de terror. Sentei no sofá trêmula e revi, com clareza, os detalhes do sonho. Foi quando observei um envelope branco no piano. Levantei-me para pegá-lo e notei que estava escrito em letras escarlate: "abiit, vidistis, peribit!" Eram letras de sangue! Derrubei o envelope atônita. Corri pela casa em busca dos criados, não queria ficar só. Foi então que vi no jornal a notícia do desaparecimento de dois jovens cuja descrição era exatamente a mesma da dos jovens do meu sonho.
Com respiração ainda ofegante escrevo-lhe esta carta. Passei a temer pela minha vida. Espero viver o suficiente para revê-lo e para participar das celebrações do seu casamento com minha grande amiga Perlucyta, por favor, não conte-lhe o que lhe escrevi, conhecendo tão bem a fragilidade de sua alma, sei que ela sofrerá de forma desnecessária.
E as marcas de mordidas no pescoço de Perlucyta? Meu Deus, já não sei o que pensar...
Devemos nos encontrar, o mais breve possível,
Mayrana Harker.
(Carta escrita por Mayrana Harker para Andrthur Holmood)
Querido e adorado amigo, recebi sua carta há dois dias. Fazes-me feliz e entusiasmada com a notícia de que tens determinada a data de seu matrimônio. Minha adorada e amada amiga Perlucyta deve estar nas nuvens. Imagino que estejam transbordando de felicidades e ansiosos por suas futuras núpcias. Como está a saúde de Perlucyta? Houve necessidade de mais alguma transfusão de sangue? Espero que toda essa alegria venha a fazê-la esquecer os acontecimentos sinistros dos últimos meses.
Gostaria de poder poupá-lo, mas trago notícias não muito felizes. Notícias estas que, talvez, tenham relação com a doença súbita de sua amada e acontecimentos recentes. Com efeito, tudo parece se entrelaçar de forma assustadora. O que aqui escrevo é verdade; deixo claro que não é nenhum delírio de minha imaginação. Os mortos-vivos, apesar de parecerem inverossímeis, nada mais são que seres das trevas em busca de nossas almas.
Eis minha devastadora experiência:
Semana passada, num dia onde as temperaturas alcançavam a alarmante marca dos quase 40 graus, certos organismos implacáveis lutaram com furor e, inesperadamente, tomaram posse de minhas entranhas. As diabólicas sementes multiplicavam-se em frenesi; apossaram-se de meu frágil organismo; causaram-me febre crepuscular com constantes paradas diarreicas. Imaginei, portanto, que as dores e vertigens me empurrariam à beira do abismo escuro da morte. Tomada de fraqueza; vi o mundo girar ao redor; perdi o controle das pernas e, ouvindo um eco distante chamando meu nome, sucumbi. Desmaiei e imediatamente caí em pesadelo vívido e delirante.
Abri os olhos devagar; corpo moído de dor, parecia ter caído de uma altura colossal. Mexendo-me vagarosamente olhei ao redor com estranheza, estava numa floresta iluminada pela luz pálida da lua que cobria-se por uma névoa branca e gélida. Ouvi gritos tenebrosos a cerca de dez metros de onde despertara. Um frio nauseado tomou conta de minha alma; tornei-me trêmula e pálida. Eram sons horrendos, macabros; arrepios incontroláveis brotaram sobre minha pele. Os urros, como pude constatar, vinham de seres com aparência de mulher. Eram risadas, uivos, gritos de prazer e antecipação. Aproximei-me. Estava tomada de medo, mas minha curiosidade era incontrolável. Dei passadas leves, inaudíveis; salvaguardei minha tocaia arrastando-me entre os arbustos e atrás dos eucaliptos. Quanto mais me aproximava mais era tomada de pavor, meu coração palpitava enlouquecidamente, suava frio. Estava tão próxima que vi com clareza as feições sórdidas de duas jovens pálidas. Elas uivavam na direção da lua. Pareciam corpos animados por forças malignas - almas do além-túmulo. Tinham algo de assustador: dois dentes brancos e pontiagudos sobrepunham-se a seus lábios inferiores - eram como pontas de agulhas afiadas. Tinham a pele extremamente alva: não possuíam uma gota de sangue - claras como a alvura da pele morta. Seus cabelos balançavam soltos ao vento, usavam vestidos brancos e transparentes. Pulavam numa alegria diabólica usando nada além da ponta dos pés descalços. Embaladas pelo vento, à sombra da lua, à meia-noite.
Morcegos voavam triunfantes, parceiros daquele instante de loucura. Lobos brancos, deitados em troncos de árvores caídas, assistiam com deleite, ansiosos. Tochas de fogo formavam um círculo de sete metros de diâmetro. Súbito, quase de forma imperceptível, uma fumaça branca surgiu perto das mulheres. A fumaça foi se tornando cada vez mais abundante, notável. De repente, confundiu-se com a neblina ao redor e juntou-se para formar o corpo de um jovem pálido, de olhar penetrante e rígido. Todo vestido de preto, com uma capa que arrastava pelo chão. Seus dentes, também alvos e pontiagudos, gotejavam algo vermelho - o sangue era sua horrível marca. Ele trazia nos ombros, sem esforço aparente, como se possuísse uma força sobre-humana, dois rapazes que pareciam mortos ou desmaiados. Atirou-os às jovens criaturas que agradeceram com gargalhadas guturais e repetiram em uníssono: "o sangue nos devolve a juventude e a vida, vida eterna ao Conde Andrácula!!!!!!!"
O conde, lançando-lhes um olhar de desprezo, dá uma gargalhada assustadora. Cobre-se com a capa preta e, num único golpe, desaparece na mesma velocidade como aparecera, deixando para trás uma nuvem de pó branco. Nesse instante, ainda tomada de pânico e pavor, senti o vento soprado pelas assas de um morcego no meu ouvido, quase gritei em desespero. Tapei minha boca com a mão direita para que não proferisse qualquer som e continuei a observar a cena pavorosa, não mais por escolha, mas por não conseguir mover as pernas. O medo apossara-se de mim. Vi, apesar de toda a névoa, que as mulheres haviam amarrado os pobres jovens no tronco de uma árvore larga e robusta. As damas da escuridão começaram a seguir uma espécie de ritual macabro. Os pobres diabos haviam despertado, tinham nos olhos o pavor do medo da morte, suas bocas estavam amordaçadas. As damas dançavam enquanto tocavam seus corpos e cheiravam o sangue pulsante de suas veias quentes. Em poucos instantes elas os hipnotizaram e retiraram suas mordaças. Os rapazes gritavam com fúria, numa paixão cega e febril tomados de um prazer inefável. Imploravam para que elas os beijassem e os tocassem e, naquele instante, cada uma delas toma sua vítima. De forma calculada e meticulosa, tocam no pescoço dos rapazes; bem de leve, paradoxalmente, de forma angelical. Respiram ofegantes, pulsando por algo desejado, infinitamente adorado e, aproximando seus dentes afiados da carótida viva e pulsante, mordem suas vítimas e sugam-lhes a vida, a alma. Eles não sentem dor, mas prazer. A respiração ofegante e trêmula das mulheres os fazem desejar, com todo o ardor de suas almas, o beijo impiedoso da morte. Com fúria acertada elas os entrelaçaram até chuparem a última gota de sangue de suas veias. Os corpos dos rapazes, agora sem vida, pendem - caídos. As tenebrosas criaturas retomam suas risadas grotescas e dançam ao luar. Suas peles, ao invés de alvas, parecem rosadas com o sangue novo que lhes corre nas veias imortais. Elas desamarram os corpos sem vida e os atiram aos lobos famintos. Não pude tolerar tamanho horror e brutalidade, comecei a vomitar. Fui ouvida por uma das mulheres que me perseguiu pela floresta, tropecei e vi os detalhes de seu rosto frente ao meu. Acordei do "sonho" num sobressalto.
Despertei do delírio coberta de suor, apavorada. Comecei a sorrir, tranquilizada; tudo não passara de um pesadelo. Tomei água aos goles ofegantes, ainda pulsando de terror. Sentei no sofá trêmula e revi, com clareza, os detalhes do sonho. Foi quando observei um envelope branco no piano. Levantei-me para pegá-lo e notei que estava escrito em letras escarlate: "abiit, vidistis, peribit!" Eram letras de sangue! Derrubei o envelope atônita. Corri pela casa em busca dos criados, não queria ficar só. Foi então que vi no jornal a notícia do desaparecimento de dois jovens cuja descrição era exatamente a mesma da dos jovens do meu sonho.
Com respiração ainda ofegante escrevo-lhe esta carta. Passei a temer pela minha vida. Espero viver o suficiente para revê-lo e para participar das celebrações do seu casamento com minha grande amiga Perlucyta, por favor, não conte-lhe o que lhe escrevi, conhecendo tão bem a fragilidade de sua alma, sei que ela sofrerá de forma desnecessária.
E as marcas de mordidas no pescoço de Perlucyta? Meu Deus, já não sei o que pensar...
Devemos nos encontrar, o mais breve possível,
Mayrana Harker.
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